segunda-feira, 6 de abril de 2009

BUÑUEL E O DISCRETO CHARME DA BURGUESIA



Charles Baudelaire na abertura de suas Flores do Mal, mais precisamente no poema Ao Leitor, considera aquele que o lê e compreende – ou pelo menos tenta – como um igual, um irmão. Foi exatamente assim que me aproximei de Luis Buñuel ao assistir O Discreto Charme da Burguesia.
O admirável diretor espanhol conseguiu despertar sensações e reflexões as mais variadas nesta obra de 1972. algo muito difícil de encontrar no excesso de produções cinematográficas Made in USA pouco afeitas a provocar algo que vai além da simples distração carregada de explosões, erotismo barato e diálogos banais. Em Buñuel a atenção aos detalhes, o cuidado com os diálogos, a provocação e a ironia refinada afastam os espectadores domesticados pelo modelo blockbuster.
Demorei muito para encontrá-lo, mas saí da sessão profundamente provocado e de certo modo revigorado, não só em sensações, mas também ideias, principalmente no que concerne a observar e vivenciar as relações sociais. Ora, Buñuel como oriundo do grupo fundador do surrealismo espanhol coloca na tela a hipocrisia, a dissimulação e a fraqueza humanas em tons oníricos. Vale dizer que uma das forças do filme parece residir justamente na construção de muitas cenas e passagens de sequências como se estivéssemos todos sonhando, não só os personagens, mas também os próprios espectadores, numa bela alusão ao cinema – e quiçá a vida – como sonho.
O conteúdo erótico e a morte estão também presentes – como forças do inconsciente e assim é desnecessário dizer que a sombra freudiana perpassa toda película – mas, sempre sob a máscara da dissimulação. Algumas cenas merecem ser mencionadas tal como quando o casal Sénéchal convida os amigos para um almoço e não conseguem conter o desejo justamente no momento em que os convidados chegam eles pulam a janela e se pegam desesperadamente no jardim. Os convidados amendrontados – já que o trio de amigos Rafael Acosta, Thévenot e Henri Sénéchal são respeitáveis homens de negócios com investimentos no ramo do narcotráfico – pensam se tratar de uma fuga dos anfitriões devido uma busca policial e assim retiram-se rapidamente da bela casa do casal Sénéchal. Outra cena bastante carregada de sutis elementos do inconsciente se dá quando as três amigas se encontram para tomar chá em uma confeitaria sem nunca serem atendidas em seus pedidos, bem como Florence ficar indignada com a orquestra por ter em sua formação um violoncelo, um close no movimento dos dedos do músico e o comentário dela sobre o fato de que se os músicos ainda fossem jovens seria uma compensação.No que segue a presença de um tenente com ar melancólico olhando insistentemente para o trio e ao se aproximar pede à elas que ouçam sua trágica, fantasmagórica e vingativa história pessoal. Na sequência uma das amigas – Simone Thévenot – se levanta dizendo estar atrasada para um encontro e notamos se tratar de uma visita extraconjugal ao refinado e comprometido embaixador da fictícia República de Miranda – representação de todas as mazelas presentes no Terceiro Mundo -, Rafael Acosta. Tudo pronto para as delícias amorosas, mas o marido M. Thévenot chega derrepente para convidar Rafael a um novo encontro na casa dos Sénéchal e sua mulher pergunta ao amante quem é no que o singelo marido indaga ao dono da casa se aquela que está no quarto é a esposa. Essas são apenas algumas das muitas sutilezas e provocações ao longo do filme, e embora pareçam carregar traços de um recorte moralista às práticas cotidianas da burguesia, vejo Buñuel querer mais do que isso,ou seja, quer despir essa burguesia profundamente dissimulada, a representar o tempo todo sua suposta polidez,seu suposto charme, assim não é sem propósito o sonho de Thévenot quando todos aparecem num palco e não sabem suas falas, pois o diretor parece trabalhar como um psicanalista a investigar os chistes, os sonhos, os desejos e a dissimulação dos personagens.
O Discreto Charme da Burguesia é mais um daqueles filmes cada vez mais raros de se encontrar, seja devido aos interesses mercadológicos da indústria cinematográfica ainda controlada por Hollywood, seja pela pobreza das sensibilidades, do olhar domesticado do espectador e da impossibilidade e vontade para refletir sobre si mesmo e o mundo. Por outras palavras, trata-se do triunfo do discreto charme da burguesia.

Um comentário:

Beta disse...

Olá...

Em algum lugar, espero q responda! Fico encantada com a facilidade de comunicação da rede, nada se perde! tudo se transforma...

Adorei os textos!!!

Gde beijo!!!