quinta-feira, 16 de abril de 2009

SOLITUDE

Rodrigo dizia a si mesmo:
− A solidão é horrível, mas ao mesmo tempo é um lugar confortável.
Sabia que era solitário desde que nascera. Não entendia, por mais que se esforçasse o que se passava nas outras almas. Embora fosse solitário, sentia aquela necessidade de ver e estar com outras pessoas, mas o mal que corroia seu peito parecia impedir qualquer relacionamento mais duradouro.
No apartamento, começo de noite, de camiseta e calça de moletom, andava resmungando pelos cômodos. Parecia que estava paulatinamente enlouquecendo. Naquele momento, apesar de a vida pulsar, como sempre, lá fora, pelas ruas, a única coisa que desejava era ficar naquela pretensa cópia sufocante do útero materno. Ali era confortável apesar da solidão. Espaço apenas seu em que nenhum outro homem iria competir para derrubá-lo, enganá-lo ou matá-lo.
Acendeu outro cigarro e perguntou:
− O que tenho para beber?
Caminhou até a estante e encontrou uma garrafa de conhaque. Lembrou do poema do Drummond e riu debochado. Pegou o copo de sempre e colocou uma pedra de gelo, pois não gostava de conhaque puro. Deu uma boa tragada no cigarro e observou a fumaça dançando pelo corredor enquanto caminhava até ao quarto. Sentou na cama, acendeu a luz do abajur e bebeu com muita vontade o conhaque agora gelado. Por um instante ao ver o canto da cama vazia lembrou de Beatriz, até esses dias ela dormia esparramada naquela cama. Deu um sorriso sarcástico e bebeu mais um pouco.
− Por que ela foi embora?
Perguntou a si mesmo e começou a lembrar dos bons momentos que tivera com Beatriz, do seu sorriso misto de graça e malícia. Lembrou do seu cheiro, lembrou do seu corpo. Enquanto preparava mais uma dose, tragava o cigarro e queimava por dentro só de pensar que agora Beatriz estaria com outro. Percebeu, no entanto, que ninguém merece controlar a vida de ninguém, e que embora sentisse a falta dela, sabia que o fim daquela paixão era o melhor para ambos. Pessoas que se juntam com personalidades e necessidades tão díspares não podiam ficar tanto tempo juntas. E o que ela precisava era de alguém que cuidasse dela como se fosse um pai e não deixasse faltar nada.
− Sim! Preciso ficar sozinho. Preciso antes é aprender a cuidar de mim mesmo.
Nem bem terminou a frase, acendeu outro cigarro e preparou mais uma dose de conhaque com gelo. Queria sair daquele luto por Beatriz, pensou em Freud e riu mais uma vez. Por um instante, parece que a pulsão de morte falou mais alto, pois pensou em ter um revólver e se estivesse com ele na mão naquele momento não titubearia em colocá-lo contra o próprio crânio e puxaria o gatilho.
− Estaria terminado.
Mas lembrou que não tinha nenhum tesão pelas armas de fogo e dos pequenos prazeres que ainda tinha na vida. Os livros, a música, o conhaque com gelo, o cigarro, o vento na cara e outras mulheres num mundo tão vasto. Neste instante recordou que deveria sair de casa, pois outras mulheres não bateriam gratuitamente na porta. Vizinha gostosa que bate na porta pedindo gelo às 2 horas da manhã só acontecia em filminho barato para adolescente em fase de explosão hormonal. Deu uma longa gargalhada e começou a debochar de si mesmo, pois não seria ele mesmo um adolescente trintão? Outro cigarro para afastar tal ideia, mais uma dose para aumentar sua débil vontade pela vida. Sabia que estava equivocado, tinha consciência dos seus erros, mas não conseguia fazer diferente. Pensou em Sartre e na náusea que sentia Roquentin, pensou estar acometido do mesmo mal, não passava de um ser-em-si mergulhado na má-fé.
− Será possível?
Desistiu da ideia e o existencialismo era agora coisa do passado. Pensou se não seria melhor buscar tratamento psiquiátrico, fazer como o primo que estava na terapia e tomava medicamentos e parecia feliz e equilibrado, quem sabe não afastaria as ideias de morte, melhoraria o relacionamento com as outras pessoas, ficaria mais tempo com uma mulher, enfim, acabaria com aquela sensação de bomba prestes a explodir dentro do peito. Balançou a cabeça negativamente, riu e acendeu outro cigarro, abriu a janela do quarto respirou o ar e olhou para baixo.
Não tinha jeito. Era a solidão e já passava das 5 horas da manhã.

Um comentário:

Silvania Tatajuba disse...

A solidão é uma companheira possessiva e muito, muito habilidosa em nos tornar eternamente escravizados por seus caprichos...